04/03/2010

O Poeta está nú


Sim, ele a intrigava. Era claro que sua habilidade para expor a dor que provinha das entranhas era mais concisa que a disposição de demonstrá-las a uma mulher.
Ele padecia em sua complexa existência... Isso era um fato. Mas até que ponto estava ligado à realidade do cerne de seus problemas? Vagava tão lentamente por suas próprias idéias que pouco progredia com todo o sofrimento.
Ela arriscava decifrá-lo por entre rimas e estrofes. Em noites vazias sentia-se confortável com aquelas palavras. Encontrava-se em suas confidências. Inebriava-se com seus anseios... Tão empáticos.
Ah o amor... Os poetas costumam amar de uma forma tão particular que nem mesmo entendem.
Era belo em sua tristeza, tentador em suas angústias. Carecia de afeto. Sempre oculto em suas vestes negras. Especialmente claro no contraste da lua. Olhos negros, cabelos desalinhados e raros sorrisos. Um homem sedicioso e sedutor. Venerava-o!
Não pode resistir quando aquele trovador de versos tão envolventes convidou-a para ser a musa daquela noite.
A curiosidade os aproximou, o vinho lhes tirou o pudor e a solidão os fez sucumbir ao profano amor entre desconhecidos.
Ele era melhor com as palavras do que com as mulheres. Sabia disso, escrevia quase todas as noites sobre seus fracassos. E se assim não fosse, não teriam visto o sol nascer por debaixo de lençóis brancos apenas confessando um ao outro suas vidas particulares.
O poeta tinha vida. Tinha gosto de conhaque e cigarros, assim como ela. Mas de uma forma muito peculiar não sabia expressar no mundo real seu desejo pela fantasia.
Ah sim! Ele era realmente melhor com as palavras do que com as mulheres, e ainda assim não era bom, não quando estava na presença de uma delas.
Talvez em seu aposento pudesse despir-se de todo receio e parafrasear o que estava realmente dentro do seu coração. Mas ali, seus modos entregavam o sutil incômodo  da nudez mútua. A intimidade!
Sabia ela, que aquela noite insólita, não teria procedência e nem seria citada em bares ou em qualquer epopéia. Temeu perder o encanto pelas letras brancas tortuosamente postadas em um fundo negro. Temeu perder seu mais encantador poeta.
 Poetas existem para serem interpretados e não amados! E se assim ele julgou ser mais útil a humanidade, ela educadamente faria o litígio de recordar aquela aventura apenas como uma estória lida em páginas amareladas. 

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