01/05/2011

Inverno


Mentiria se dissesse que estou feliz porém não devo encarecer a infelicidade.
A calma, a falta do querer, a apatia que me incomodam. Eu, sempre tão intensa em meus sentimentos, tão excessiva em meus atos estou apenas observando com impassibilidade o que deveria ser minha nova predilecção.
A maturidade traz uma certa segurança. A aprovação dos outros dignifica o sofrimento, enaltece a renuncia mas não floreia a alma.
Acordo em agonia pelo não saber, ou por saber demais e não esperar o novo. Passo dias a esperar o exato dia a ser namorada. O cortejo frio e vestido de escrúpulos, mantém o meu, vivo demais. Reveste um corpo que deveria estar nu.
Devo respeitar o medo. Não julgar o que desconheço e calar-me diante de uma história que não vivi. Procuro não me entregar a braços tão frágeis mas as vezes me pego aninhando-me nesse colo.
                                          Não sofro. Não amo. Posso dizer então que não vivo?
Dizem que agora eu aprendi a viver. Imagino que por não incomodar os outros com exagerada felicidade ganho em troca a admissão.
Sinto falta do calor. O inverno promete ser frio!



22/09/2010

Aquilo que chamam 'amor'

É o desespero nos olhos de uns e o desprezo na voz de outros que me assusta. A solidão tornou-se moda, uma tendência progressista do que querem intitular como ‘neoliberdade’.
E eu me sentia inserido nesta revolução.
Acostumei-me a não presença após um relacionamento intenso e com mais liberdades do que a maioria poderia aceitar e ainda assim descobri o amor.
Pudera um homem continuar amando uma mulher que se deixa levar por outros braços, mas que com suas próprias pernas retorna ao lar? Eu a amei, incondicionalmente. Mas não é sobre o passado que quero tratar.
Vejo-me hoje apenas com alguns livros, café, meus eternos cigarros e se não bastasse, com a permanente queixa da solidão.
Penso ter um amor, que ao longe mantém a incerteza da reciprocidade.
Por vezes caio na promiscuidade alegando as mais diversas ultrajas.
E assim passam-se os anos.
Não posso dizer com certeza se faço parte dessa convergência, mas sei que ela não é natural a maioria destes.
Estar só não exige explicações, não faz de você mais moderno e muito menos, faz com que seus amigos lhe amem mais.
Não ter em quem pensar antes de dormir está longe de ser uma prova infinita de auto-estima. E desprezar o amor não fortalece nenhuma alma.
Se fosse, não veria tantas lágrimas por trás de olhos desesperados pelo reconhecimento. Não escutaria tantas vozes vociferando injúrias de amor.
Confesso que aprendi a caminhar sozinho somente quando, não mais esperei, que alguém mostrasse a direção!
São encruzilhadas nocivas que esqueceram de colocar no manual do homem moderno...

16/08/2010

Feelings

Ela sempre gostou que ele a acompanhasse até o carro e não se sentia envergonhada em solicitar tal companhia esta noite.
Notou que todos ao redor os olhavam, esperando ansiosamente o novo assunto para ocuparem as conversas por uma hora ou mais. Alguns olhares revelavam certa preocupação, outros desprezo e posso dizer, que entre todos aqueles, ele notou até mesmo, um que parecia lançar inveja.
Sim, eles eram um caso complicado! Daqueles que nem mesmo as telenovelas seriam capazes de ensaiar.
 Não é tão fácil quanto parece entender o que se passa entre os corações e muito menos a maneira única e desajeitada que aqueles dois tinham para expressar esses sentimentos. Mas esta noite estavam felizes.
Digo isso, porque notei a familiaridade daqueles corpos postados lado a lado. 
Um ou outro contato, por vezes, poderia demonstrar certo interesse físico, mas as vozes no mesmo tom indicavam perfeita harmonia.
E o sossego no silêncio... Não eram necessárias palavras, nem explicações. As histórias do longo tempo em que se separaram não fariam o menor sentido. Estava tudo bem e eles sabiam disso. Estavam perto um do outro, mais uma vez, em uma noite fria, conversando e ignorando qualquer crítica àquela situação.
Despediram-se com um longo abraço. Notei que ela o segurou com um pouco mais de força em sua primeira tentativa de deixá-la ir. Talvez temesse tal contato.
Beijou seu rosto com ternura e esperou que partisse.
Creio que tal cena já deve ter sido suficientemente longa aos telespectadores que acompanhavam esse romance. E agora ele teria o resto da noite para divagar sobre o assunto, ou apenas calar-se novamente, formando traços de preocupação naqueles que esperam sempre a tragédia.
Mas não é sobre isso que gostaria de falar agora, pois se tivessem visto o sorriso daquela moça ao deixá-lo, entenderiam todo o significado daquelas almas, quase consangüíneas, teimarem a se reencontrar e, como qualquer explicação pareceria infundada e sem sentido.
O rádio tocava sucessos dos anos dourados e a estrada quase vazia, montou o cenário perfeito, como num filme sem fim...
"Feelings
Feelings
Like I've never lost you
And feelings
Like I've never have you
Again in my heart"

Ela sorria, com satisfação. Sentia o amor invadir cada parte de seu corpo. Sentia-se livre para amá-lo, por toda vida se fosse possível, mesmo sem nunca mais reecontrá-lo, se fosse o caso. Mesmo que o destino os quisesse separados, poderia amá-lo, em uma incondicionalidade irracional.
Ria-se por dentro, com a voz suave de Morris Albert cantando sentimentos confusos sobre uma história de amor.
Poderia dançar agora, sob as estrelas e as luzes da cidade. Deixou a música misturar-se com tudo o que sentia e afastou qualquer pensamento que pudesse descontinuar aquele momento.

O amor é mesmo a mais deliciosa incógnita a ser descoberta durante a vida!



"Feelings,
Nothing more than feelings"



12/08/2010

Cores de Almodóvar

                    - Mas a opinião deles está condiz com a verdade, ou é apenas um reflexo do que deveria ser correto?

Boa pergunta! Na verdade, insólita.

Nunca antes pensara por este ponto de vista e eram exatamente essas dúvidas que a faziam apreciar tanto  aquelas conversas.
Ele sempre indagava partes escuras do seu ser e fazia, com a delicadeza de um cavalheiro.

Não, não tinha uma resposta clara. Acreditava que dúvida, é o que ocorre quando você sabe o que é o certo mas gostaria de escolher o oposto.

Sim, ela tinha uma resposta. 
A pergunta real é se poderia conviver com ela.

Seria capaz de abrir mão de conveniências apenas para se sentir bem em noites incríveis e acordar deprimida em sua cama, com lembranças desagradáveis?
Porque era exatamente o que acontecia quando abdicava do juízo e decidia apenas sentir.

Aquelas palavras acompanharam-na até em casa e sentia-se embriagada demais para dormir. Quis conversar, mas sabia que essa seria a situação que lhe causaria a angústia matinal. Decidiu apenas pensar. Manter os olhos abertos, segurar um impulso de enjôo e dissimular uma dor de cabeça que já dava seus primeiros sinais.

Bebera demais. 
Mas ela sempre bebe. 

     - “O conhaque está na moda!”

-Brindemos a liberdade de escolher, entre nossas próprias escolhas, aquela que nos cai bem!

Santa hipocrisia dos alcoolistas. 
Tendem a achar que a falta de razão aproxima-lhes da liberdade.

O sono não vinha. Já as idéias...
Entre todas as carências e reclames de uma mulher embriagada as lembranças da conversa displicente voltaram a tona.

O que ela realmente achava certo? O que os outros pensavam daquela moça sempre tão bem protegida e tão difamada?

Diziam todo tipo de coisa sobre seu estilo de vida. 
(Se é que podemos chamar assim.)
E ela sempre fazia questão de ouvir tudo o que era proferido. Nunca se achou acima de qualquer verdade e era essa a cerne de todas suas angústias.

Imaginava-se como um palhaço, ou alguém que "anda pelas ruas divertindo gente e chorando ao telefone."

E quando menos esperava acostumou-se com a idéia de que não tinha qualquer escolha.
Acomodou-se novamente nas certezas...
O máximo que poderia fazer era repousar e acordar com a tristeza de mais uma bela manhã.


"Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle..."

05/08/2010

Madrugada fria

Tinha o olhar triste, mãos frias e um sentimento quase infantil de derrota. 
Voltava para casa, novamente, descrente no amor.
Amanhã terá que recomeçar tudo aquilo que perdera a graça antes de conhecê-la.
Imaginava quantas vezes mais, aqueles passos vazios seriam dados. 
Quantas noites seus amigos ainda teriam que tirá-lo de casa para uma bebida qualquer, preocupados com seu estado.
Preocupava-se mais em não aborrecer aqueles que já andavam de mãos dadas. 
Definitivamente estava fatigado do fracasso. 
Não deveria contaminar o mundo com seu desprezo e incapacidade.
As palavras da amada estavam sufocadas em sua garganta e sentiu nojo, dessas mesmas mãos que o acariciaram depois do fim.
Gostaria de caminhar a noite toda para que sua mente, com pouco oxigênio, não refletisse e nem se deixasse enganar por uma esperança qualquer, inutilmente captada em seus últimos momentos de desespero.
Que apenas a dor física fosse presente. 
Que surgissem feridas em seus pés e que, banhados de sangue, essa fosse sua única preocupação ao chegar em casa.
Mas sabia que essa seria a primeira, de muitas outras noites tempestuosas que viriam. 
Que a angústia acompanharia cada pensamento e que a esperança estaria ali, sempre brincando com seu desespero.
Não iria procurá-la. 
Não hoje.
Não amanhã.
Quem sabe, nunca mais. 
E sofria ainda mais pela desistência. 
Não tornaria mais a ver com ternura aqueles olhos que lhe deram vida. 
Não tocaria mais com todo seu entusiasmo aquele corpo e, esqueceria em breve o seu perfume.
Como gostaria que a tolice ainda dominasse suas idéias. 
Que a humilhação e o sofrimento ainda fossem virtudes. 
O desprezo o faz menor. 
Um fragmento do que idealiza.
Quer respostas claras. 
Cansou-se do jogo do amor. 
A racionalidade das ações se tornava uma aliada, mas conseguia ser enganada pela dúvida, pela negação de algo que não compreende.
Exausto seu corpo tocou a cama vazia. 
Não houveram lágrimas, nem orações, apenas um temor pelo amanhã e por estar tão próximo de sentimentos os quais vem evitado.

04/08/2010

"É difícil seguir em frente quando o passado está tão presente."

17/07/2010

Velhas coincidências

Algumas roupas, espalhadas pelo chão. O descaso com aquelas que lhe vestiram na noite passada. Tentaram, inutilmente adornar um corpo já cansado, com expressões frívolas e gestos desconexos.
Um tênis sujo que poderia avivar a imaginação dos bem aventurados que caminham noite a fora, a procura de diversão.
Livros espalhados por todas as partes. Lições aprendidas e esquecidas. Momentos vividos por outrem que, por alguns segundos, trouxeram uma pequena jovialidade. A empatia pelo herói solitário e a esperança do final feliz. Alguns deles não tinham finais felizes, e isso lhe causou certo desconforto.
O quarto ainda estava vazio. Estático. O café já esfriara e ele, não sentia ânimo para o próximo passo. Não lhe passava pela cabeça as idéias insólitas que remetem aos sorrisos mais inesperados, as ligações mais entusiasmadas, ao frio na barriga por uma ansiedade qualquer.
Ele estava ficando velho, fechado e temia perder o brilho no olhar que jurara conservar por toda vida. Não se preocupava com o amor, rezava mais do que de costume e deixara o hábito de ouvir músicas tristes.
Notou alguns cabelos brancos nas poucas vezes que se atrevia a olhar no espelho. Sentiu pena de si mesmo por alguns segundos. Fraquejara!
Pensou em ajeitar toda aquela bagunça, por a casa em ordem, mas não teve ânimo. A manhã era preguiçosa e ele desesperançoso. Não haviam pretextos para mudanças. Que tudo ficasse ali jogado, facilitando o próximo uso.
Bebeu mais um pouco de café e novamente pensou em Deus. Gostaria de falar-lhe, mas não sabia como. Os demônios insistiam em perturbá-lo todas as vezes que se ajoelhava. Temeu a escuridão e só então pode notar o sol.
Vestiu então o tênis sujo, escolheu outra camisa e colocou-se a disposição do acaso.