17/07/2010

Quebra-cabeças

Ela estava assustada. Sentia-se indefesa contra as armações do destino. Há poucos dias,  declarou-se feliz, por capricho, ou quem sabe apenas pela satisfação em retribuir todos os esforços de um homem para agradá-la.
Há poucos dias ela estava exatamente onde queria. Belos lugares, novas pessoas, jantares reservados, boa música, um bom vinho e um belo sorriso, delineado por uma maquiagem impecável.  
Aquele sim era o homem a quem ela deveria se dedicar. Uma perfeita expressão do que sempre desejara. Ou desejaram para ela.
Então porque essa manhã acordou em outros lençóis?
O que levou aquela mulher, tão cheia de certezas a um pequeno apartamento, afastado e sem qualquer distinção? 
Cabelos presos em desalinho,  traços borrados ao redor dos olhos e uma camiseta velha, com o nome, de algo que deveria ser uma banda de rock. 
Sentia-se culpada por dividir, com este homem, segredos que era incapaz de dizer aquele que a esperava para o almoço.
Sentia-se bonita, ao contrario de quando estava com o outro. Mesmo sem nenhuma pretensão, ali ela não precisava ser nada além do que era, seu corpo não tinha tanta acuidade e suas palavras soavam com outra entonação.

Era como um castigo. A empatia por aqueles que sempre foram rejeitados por seus mais íntimos consulentes. Aqueles que não poderiam oferecer-lhe nada além de um café forte e um pão adormecido. Ela gostava de café, não comeu o pão, acendeu um cigarro, ouviu um comentário qualquer sobre seus hábitos e deitou novamente, ao lado do estranho, tão familiar.

Lembrou-se de tudo o que ele dissera na noite passada e como deve ter parecido dissimulada, ao tentar se defender da incontestável verdade, dita com tanto afeto. Gostaria que tudo aquilo fosse calúnia. Apenas uma maneira excêntrica de chamar sua atenção.
Suas atitudes nunca foram questionadas. Poucos são os que têm coragem e ousadia suficiente para isso. Ele não quis ferir-lhe, foi  duro ao descrever seu semblante diante do que não considerava correto e  a abraçou após despi-la de toda sua auto-confiança.
E como poderia ter tanta razão aquele homem que confessou observá-la muito antes de qualquer contato. Conhecia mais aquela mulher. Era capaz de entendê-la e até mesmo perdoá-la, por seu egoísmo assistido.
Deveria estar mais preocupada com a situação. Deveria estar aflita procurando uma justificação para sua ausência, mas não estava. Para ser bem sincera, ela estava ali, e não queria estar em qualquer outro lugar. Dispensava os lençóis de seda, o farto café e toda urgência em começar o dia. Preocupava-se somente com o fato do destino estar ali, sentado ao lado do estranho, que adormecia novamente.
Gostaria de escolher as pessoas que convive apenas pelo o que elas são. Pelo que elas a fazem sentir, mas já estava ficando velha e deveria pensar no futuro. E que futuro aquele homem, vestido como um menino e dormindo tão profundamente em um dia de semana, poderia lhe dar?
Pensou então no almoço e o que deveria sugerir. Precisava de um lugar agitado, onde não fosse o centro da atenção. Precisava pensar, e ao mesmo tempo deixar de lado certas indagações. Vestiu-se com suas dúvidas. Melhorou um pouco a aparência e fez um esforço para não acordá-lo ao sair, mesmo que seu desejo fosse ficar.

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